terça-feira, 23 de setembro de 2008

Cinema e fatalidade: o cultivo do ódio como estopim da tragédia social

Estudante mata dez pessoas em escola da Finlândia e depois se suicida. Sente o déjà-vu? Pois você não está enganado. O que é manchete mundo afora na manhã de hoje já é tema recorrente nos jornais há um bom tempo.

Não precisa ir muito longe para essa sensação de repetição se comprovar. Ainda em novembro de dois mil e sete, outro adolescente da Finlândia havia promovido uma chacina semelhante. Pekka-Eric Auvinen, 18 anos, matou oito pessoas antes de cometer suicídio, totalizando apenas uma morte a menos se comparada com o caso mais atual.

Alguns dias atrás, o estudante Matti Juhani Saari, de 22, havia posado para um vídeo publicado no web-site You Tube, com uma camiseta estampada com os dizeres “humanity is overrated” (a humanidade está ultrapassada). Nele, praticava tiros com o revolver que usaria na matança de hoje. A polícia já havia entrado em contato com o rapaz ontem (dia 22), por conta do vídeo que circulava na internet, mas não encontrou motivos fortes o suficiente para deter o estudante, que possuía um porte temporário para a sua pistola.

A violência com os outros e consigo mesmo é freqüente no dia a dia entre os jovens nas grandes cidades, independente da classe econômica. A cada número X de meses a situação se repete, de forma mais ou menos semelhante, em algum lugar do globo. Problemas psicológicos, tais como, abandono dos pais, deslocamento social, abuso por terceiros e crise de stress gerada pela pressão exacerbada por sucesso no mundo contemporâneo, são apontados por especialistas como fortes sementes de desvios emocionais graves.

A sétima arte retrata algumas dessas incursões de ódio, raiva e matança suicida que tomam conta da vida de adolescentes problemáticos. Elefante, filme de 2003 de Gus Van Sant, retoma, em atuação, a tragédia que ficou conhecida como “Massacre de Columbine”, onde dois estudantes levaram um arsenal de guerrilha para a escola em 1999. Antes, o filme de Michael Moore, Tiros em Columbine (2002), já havia vencido o Oscar de melhor documentário abordando a liberdade para as armas nos EUA e o fatídico episódio dos adolescentes de Columbine.

Representação do dia a dia de um dos assasinos de Columbine no filme de Gus Van Sant

Por trás desses atos, estão muitos jovens bem nascidos que, apesar de ocuparem nobres níveis de classe econômica e estudarem em bons colégios, ainda sim, vivem em um mundo de pressões e exigências demasiadas que culminam em atitudes de loucura.

Sandro Barbosa do Nascimento, 22, não tinha a mesma boa vida dos dois jovens Finlandeses ou dos adolescentes de Columbine, mas foi também vítima de pressão social cruel e implacável. Vítima da antiga chacina da Candelária, drogado, desempregado, sem perspectiva alguma de futuro e com a tragédia do abandono seu pai e o presenciamento do assassinato de sua mãe ainda na memória, tinha uma vida que pode ser classificada como intensamente trágica. Carioca, é autor do episódio que ficou conhecido como o “Seqüestro do Ônibus 174”, nada mais que fruto do ódio e do medo que a sociedade semeou nele durante toda uma vida como mais um “invisível social”, desprovido de oportunidades e à margem de uma vida digna.

Essa tragédia também já rendeu um documentário premiado, “Ônibus 174”. Agora vira filme de ficção, como mais uma tentativa de melhor explorar o psicológico do autor do atentado. “Última Parada – 174” ainda não estreou em circuito nacional, e teve apenas uma semana de exibição em um cinema em Jundiaí, para que, assim, pudesse ser representante nacional na corrida para o Oscar 2009.


Os filmes nos ajudam a entender algumas das motivações desses adolescentes, mas não dão conta de efetivamente explorar a complexidade sentimental que os levam a tal atitude extremada de raiva e ódio, como uma chacina na escola. A raiva é um sentimento bom e ruim, mas que se acumulado ao extremo em uma mente instável, torna-se uma bomba relógio esperando o último tac.

Nenhum país está livre disso, por mais desenvolvido que seja. Nenhuma classe social, por maior ou menor que sejam as dificuldades enfrentadas. Infelizmente essa não será a última manchete que veremos de chacina promovida por estudantes em escolas. Assim como um bom filme de comédia rende uma segunda parte, essa é uma tragédia que renderá mais déjà-vus. E a arte segue imitando a vida... ou seria o contrário? Seja como for, ad infinitum.

Augusto Conter Filho